Cotas, UFRGS e a tal diversidade

Carta aberta de Marcia Moraes de Oliveira, estudante de Ciência Politica no Instituto de Estudos Politicos (Rennes- França) e ex-estudante da UFRGS em Ciências Sociais, publicada no dia 21/06/2007,

"O não-racista não é aquele que ‘não tem nada contra negros’. O racista é aquele que não faz nada pra substituir, pra combater o processo de exclusão existente na sociedade. Porque ele está se beneficiando dos privilégios de uma sociedade racista, está se silenciando e se acomodando nesses privilégios, portanto está negando a mim e aos meus filhos a possibilidade de vivermos em uma sociedade justa e igualitária. Esse é o racista." José Carlos Gomes dos Anjos – Dr. em Antropologia da UFRGS

Amigos da UFRGS,

é com imenso prazer que eu os escrevo para apoiar a implantação de politica de cotas, de ação afirmativa na UFRGS.

Aos que não me conheceram, quando fui aluna de Ciências Sociais, me apresento. Chamo-me Marcia Moraes e fui estudante da UFRGS durante os anos de 2002 e 2003. Depois deste periodo, fui fazer intercâmbio na França em Ciência Politica no Instituto de Estudos Politicos onde eu pedi transferência e estou até momento.

Escrevo para contar uma das minhas ultimas lembranças da UFGRS, um dos motivos que pesou na balança no momento de voltar ao Brasil.

Era uma tarde de sexta-feira, quando fui à prédio de economia para uma daquelas aulas que eu, e muitos outros, achavam muito, mas muito muito motivante. Fui para escutar um pseudo-curso de Microeconomia. Ah, aproveito para agradecer o nobre ser, pois tive um problema de bagagem acadêmica para continuar a mesma matéria aqui na França. Por que serà ? No lugar de lecionar, o nobre ser preferia utilizar sua autoridade de professor sobre os alunos. Era um verdadeiro especialista em mostrar todo seu savoir faire, mas no momento errado.

No meio da aula dita de economia, o grande representante da cultura geral, me questiona sobre um certo tema. Bem, de qual cultura e o que ele chama de geral e de mundo, é outra historia. Então, pensei…Talvez, ele poderia ter me escolhido pelo meu lindo sotaque pernambucano, que, na epoca, era um pernambucho. Mas, não ! Ele tinha me escolhido pela minha bela cor. Certo, eu era mais « brozeada » que os outros. Talvez, por isto, foi mais facil se dirigir a mim. Assim, ele poderia se lembrar a quem ele tinha perguntado na aula seguinte. Talvez, meus caros colegas, poderiam, à partir deste dia, me utilizar como modelo, como exemplo.

O tal grande conhecedor de culturas gerais e, por coincidência, professor de economia, olhou-me bem nos meus lindos olhos negros e disse : você que é negra, que estudou para estar aqui, que MERECE o seu lugar, gostaria que outros estudantes negros entrassem na UFRGS, através de cotas, sem MERECER como você ?

Eu, impressionada com profundidade da questão colocada, parei e refleti. Afinal, o caro pseudo-marxista revolucionario, tinha se tornado também historiador, sociologo, antropologo e adjacências. Talvez, ele fosse até mesmo jurista para entender realmete o que se deve ter direito ou não !

Olhei nos olhos do mocinho e aumentei o tom de voz e respondi. Não, não rodei as baiana ! Arriei os cablocos, como diria minha Mainha. Respondi ao ser que abusava do seu poder de professor para intimidar, mas… não conseguiu ! Respondi que era normal que eu MERECESSE estar na UFRGS. Sempre estudei em escola particular, pude viajar e aprender outras linguas e nunca precisei trabalhar e estudar. « Era normal » que eu estivesse na UFRGS, pois eu vinha de uma familia de classe média, que ja foi classe média alta, e que sempre deu prioridade (pois pode !) a minha formação, a minha educação. Porém, eu não achava normal o fato que, na escola onde estudei (foi a mesma durante 12 anos !), eu fosse uma das raras estudantes negras. Por coincidência, eu também era uma das raras estudantes negras do curso de Ciências Sociais da UFPE, dois anos antes. Talvez, por coincidência, também fosse normal que dos meus amigos negros, eu fui uma das unicas a entrar na universidade federal, melhor, em universidades federais. Falei que eu adoraria que também fosse normal ter outros colegas negros. Continuando no quesito normalidade, aproveitei para falar, melhor, para questionar o fato que, mesmo sendo negra, eu não era gaucha. São raros os nordestinos na UFRGS. Então, onde estavam o negros gauchos na universidade ?

Ah, esta pergunta serviu para outra revelação. No momento onde ele me perguntou minha posição como “estudante NEGRA”, tinha uma mãozinha que tinha levantado e falado: espera! Eu também sou negra!

A pessoa em questão era a Adriana Fonseca, que està junto com vocês nesta luta. Aproveito para agradecê-la pela autorização de citar o nome dela. A Adriana, no final, da minha intervenção, falou que, COMO NEGRA, também era a favor das cotas. Contudo, o grande pseudo-marxista revolucionario e que se acha ainda professor de economia (sinceramente ? tenho impressão que ele comprou o diploma ou não precisa urgentemente de terapia – para não abusar do tal poder) decidiu questionar a validade da afirmação do « eu também sou negra ». Ele olha para minha cara colega de curso e diz : você não é negra, você é tem misturas e bla bla bla bla! Adriana insiste afirmando sua negritude. Para mim, foi uma revelação, pois logo no Sul, onde existe a expressão « passou de branco, preto é », a Adriana, pode-se dizer que, não é branca.

O caro pseudo-marxista revolucionario e que se acha ainda professor de economia vendo que tinha comprado uma briga feia, pois além de estudantes, negras, sabiamos muito bem do que representavamos, tentou argumentar, mas sem muito sucesso.

Aproveito a ocasião para a agradecê-lo pelo “C” que ele me colocou. Este “C” destoa um pouco das minhas notas que sempre foram altas. Porém, guardei este « C » diferente, como um « C » de Coragem. Coragem de assumir minha negritude e nordestinidade onde quer que eu passe. Caro pseudo-marxista revolucionario e que se acha ainda professor de economia, soube que a sua pessoa anda fazendo palestras contra as cotas. Por isto, aconselho-o, sinceramente, de fazer o minimo que lhe pedem numa universidade PUBLICA, CUMPRIR SEU PAPEL DE ¨PROFESSOR e DAR AULAS DE ECONOMIA DE VERDADE. O dinheiro que alimenta este ilustre ser é de origem publica. Espero que ele lembre disto, ao menos, em suas aulas. Foras delas, é outra historia. Paguei o preço de ter tido « aulas » tão interessantes.

Eu posso imaginar a quantidade de alunos negros que foram alvos da mesmo tipo de questionamento. Porém, o que me leva a contar este caso somente agora? Medo? Receio? Não ! Foi o fato que, faz três anos, que eu acompanho as discussões sobre a politica de cotas, de afirmação positiva, através do forum de Gt Afirmativas. Foi com muito prazer e, sinceramente, deu uma saudade da porra (ops !), quando vi o que estava sendo feito ai!

Minha experiência na UFRGS, no Rio Grande do Sul, serviu de base para que pudesse ir à outro lugar. Foi nela que eu me dei conta que, além de mulher e negra, eu também era nordestina. Na UFRGS, me descobri mais uma vez, o que se chama diversidade, que eu era diferente, que eu trazia bagagens diferentes. Creio que isto serviu para muitos colegas (que sabiam do meu gêniozinho arretado) como também para mim, para ver que gente é gente onde quer que passamos.

Se hoje posso escrever para falar de um pseudo-marxista revolucionario e que se acha ainda professor de economia, é porque existem pessoas nesta intituição, que pensam diferente, que lutam e que desejam outros tipos de « normalidade ».

Minha gente, boa sorte ai, melhor, para todos nos que estamos nesta luta de promoção da diversidade. Estou do outro lado do oceano torcendo pela aprovação das cotas, mas felizmente, não estou sozinha!

Como diria uma canção, “a liberdade é meu axé de fala” e que bom ela também é o tantos outros que são negros, nem tão negros, mulheres, nem tão mulheres, nordestinos e não tão nordestinos para a construção de um Brasil NORMALMENTE DIVERSO!

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Estudante Nazista é um dos principais articuladores do Movimento Anti-Cotas Raciais na UFRGS

"Peço a ajuda de vocês, pessoas intrinsecamente envolvidas com a causa Nacional-Socialista no Brasil, para pensarmos, juntos, uma maneira eficaz de deter esses odiosos vermes judeus." Com esta frase em junho de 2005 o estudante de Ciências Atuariais Gabriel Afonso Marchesi Lopes de 22 anos, ganhou notoriedade nacional.

Principal envolvido um dos mais sérios casos de racismo e anti-semitismo em uma instituição federal de ensino superior, o estudante foi alvo de sindicância, com o objetivo de averiguar a divulgações de idéias racistas e facistas através da chapa da qual fazia parte, durante as eleições para o diretório acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas.

Sob as vistas grossas da Reitoria, durante dois anos grupos de extrema direita como os de Gabriel Afonso Marchesi se organizaram e propagaram ódio racial e promessas de violência através da internet, buscando novos adeptos através da rede de relacionamentos Orkut.

O estudante que há dois anos atrás em entrevista com a Folha de São Paulo se declarou facista, afirmando até ter "amigos negros" e não odiar judeus por não conhecer nenhum, integra agora um grupo maior, que com uma roupagem politicamente correta, tem ganhado prestígio e força com o espaço aberto pelas mídias comerciais e nas articulações estabelecidas com docentes de faculdades mais elitizadas da UFRGS como a Faculdade Medicina. 

Nos últimos meses, como consequência de processos judiciais abertos contra mantenedores de perfis racistas, e devido a notoriedade do posicionamento contra as cotas, os acadêmicos de extrema direita, integrantes do movimento de estudantes contra as cotas, eliminaram grande parte das mensagens de cunho racista anti-sionista, comunidades relacionadas e quaisquer outras provas incriminantes de seus perfis.

Mobilizados para as manifestações do dia 29 próximo, o grupo de estudantes contra as cotas posicionou uma de suas faixas no prédio da Reitoria, na qual ironicamente chamam a política de cotas a ser votada pelo conselho de "imposição racista" exigindo consuta. Resta saber que outros absurdos ainda estão por vir.

Para ler a matéria original publicada na Folha de São Paulo sobre o estudante nazista da UFRGS clique aqui.

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Senador Ernie Chambers e os Contra Cotas no Brasil

 

 Fonte: Marco Negro

A campanha pela Abolição da Escravidão, ocorrida no século XIX durou décadas, com mais publicidade e força nos anos 80 daquele período. Na minha humilde opinião a Campanha pela Implantação das Ações Afirmativas promete mesmo seguir o mesmo caminho, em duração e dificuldades. Espero que o resultado em forma de lei não seja tão frustrante, quando foi a incompleta Lei Áurea de 1888.


Assim como acontecia na luta dos abolicionistas e dos quilombolas existiam entre negros libertos ou cativos os que eram am favor e os que eram contra a adoção radical e imediata de libertação. Não esqueçamos que alguns tinham a sorte de obter a liberdade comprando a cara carta de alforria. Foram pessoas que a custa de muito sacrifício e renuncia juntaram a quantia necessária para sair da senzala e posteriormente libertas companheiros e familiares. Isso também graças a organizações como as irmandades religiosas negras e outras ongs.


Hoje há aqueles negros que conseguiram também com sacrifício e renuncias durante a vida, ascender socialmente, mesmo que não muito, e acreditam que este é o caminho e não o das cotas para negros. Não os odeio, pois sei que isso é fruto da perversidade da fome, que adestra através da miséria, as pessoas a não olhar em voltar e ver que a realidade é bem pior. Estas pessoas ainda preferem ajudar seus companheiros e familiares a melhorar de vida, a participar de uma luta coletiva que irá beneficiar a toda uma etnia.


Mas para os intelectuais brancos que participam de um Movimento Contra as Cotas, não há perdão: eles enxergam longe, e percebem que não eles, mas seu grupo social perderá com a implantação de um sistema de inclusão racial e social, que não use como critério um pseudo-sistema de meritocracia. Gente esta que inclusive acaba se beneficiando a indústria dos cursinhos pré-vestibular, que chegam a ter mensalidades mais caras que curso universitário.

Enfim, a luta promete!

Ah… onde entrar o senador afro-americano Ernie Chambers: político negro que votou com políticos conservadores pela reimplantação de um sistema de segregação racial nas escolas da cidade de Ohama, terra natal de Malcolm X. Isso demonstra que o Movimento Negro nos Estados Unidos, antes inspirado para nós, brasileiros, entrou em decadência. E o legislador é um novo tipo de Pai Tomás, que não conta historinhas, mas é submisso. Não isenta em nada no seu currículo sua luta pelo fim do Apartheid na África do Sul. Tem gente que encena coragem só longe de casa, com medo de encarar os próprios medos.

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Reinvindicando…

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A coisa mais estranha, mãe: Rascismo

 

Trecho do quadro 'Perfil' de Paulino Varela Tavares, sobre as experiências deste caboverdiano que através de um convênio de intercambio cursou economia na UFRGS em Porto Alegre. Publicado no Jornal da Universidade em setembro de 2001.

Por Ademar Vargas de Freitas


Paulino Varela Tavares nasceu no dia 10 de outubro de 1972, em Tarrafal, na Ilha de São Tiago, onde está a capital oficial de Cabo Verde, a Cidade da Praia (Mindelo, na Ilha de São Vicente, é a capital cultural). Veio de uma família numerosa, tem quase 30 irmãos por parte do pai, criado dentro dos padrões de antigamente, quando os homens tinham várias mulheres. Alguns dos irmãos, ele nem conhece, só sabe que existem. Com os que conhece, se dá muito bem. Quatro deles estão na França, e dois, em Portugal.

A mãe sempre foi pai e mãe: desempenhou as duas funções, trabalhando como lavadeira num quartel do exército. Teve sete filhos. Paulino é o mais velho. Depois vieram Carlos Manuel, Maria de Fátima, Vitor Manuel, João Batista, Dionísio e, finalmente, Nísia. Como se vê, se os portugueses não conseguiram impor seu idioma como a primeira língua de Cabo Verde, onde se fala primeiro o crioulo, pelo menos conseguiram impor seus nomes próprios. Nisso, Paulino está de acordo: “Imagine um cabo-verdiano que se chamasse Michael, ou Jennifer… Isso tu não vais ver nunca. Vais encontrar João, Pedro, António, mas Michael não. Aqui no sul do Brasil é diferente, porque houve muita imigração européia, alemães, italianos…”

Racismo à brasileira

Paulino diz que o que mais lhe chamou a atenção aqui no sul do Brasil foi o racismo, uma atitude desconhecida em Cabo Verde, onde a maioria da população é constituída por negros e mulatos. Ele conta que é comum a quem vem de países africanos ligar para casa nos primeiros dias e dizer: “Mãe, não quero ficar mais aqui, estão me tratando muito mal”. Tratar mal, nesse caso significa desconfiar que, por ser negro, você é ladrão ou assaltante, no ônibus, no táxi, na banca de guloseimas. Ou, simplesmente, não considerá-lo digno de ser atendido num restaurante (mesmo que esse restaurante esteja numa zona de colonização alemã ou italiana e seja especializado em servir turistas brancos e endinheirados).

É ignorância. Paulino sabe que é ignorância e que não pode permitir que esses incidentes atrapalhem seu caminho. “Temos que ir pra frente, seguir nosso objetivo. Temos que aprender a conviver com essas coisas. E denunciar, sim. Embora se saiba, por experiência própria, que não vai dar em nada.”

Em 1997, ele passou por uma situação “curiosa” num restaurante em Canela, onde foi com mais três cabo-verdianos para comer massa. “O garçom pediu desculpas e disse que o dono não queria que nos servissem por sermos negros. Fiquei me sentindo mal durante um tempo. Entramos com queixa na polícia, mas nunca fomos chamados a depor.”

Em outra ocasião, na Chocofest, festa do chocolate, em Gramado, recusaram-se a vender-lhe uma peça de chocolate, dizendo: “Primeiro, mostra o dinheiro”. Ele perguntou, por que não pediam dinheiro adiantado para os demais compradores (todos brancos), e a vendedora revelou o que pensava, com toda a clareza: “Ah, esses aí não roubam”. Paulino deixou assim, foi comprar chocolate em outro lugar.

Racismo, pra ele, já não era novidade. Logo que chegou a Porto Alegre, morou na Casa do Estudantes da UFRGS, no Campus do Vale. Para chegar lá, pegava o ônibus Campus-Ipiranga, ou o Pinheiro, e quase sempre ia junto com um colega branco. Naquele tempo, era freqüente haver blitz nos ônibus. E, sempre que havia, ele era revistado, mas o colega não. Um dia, Paulino perguntou a esse colega por que revistavam os negros e os brancos não. E ele respondeu: “Olha, Paulino, isso é racismo mesmo”.

Outra vez, ia para casa, de táxi, com a namorada, quando o motorista começou a falar com alguém pelo sistema de rádio. “Em pouco tempo, cinco carros de polícia cercaram o táxi e pediram nossos documentos. Mas, quando viram a carteira da OAB, mostrada por Eleonora, começaram a ir embora devagarinho. Ela entrou com processo, mas nunca chamaram.”

Além de sofrer com a desconfiança que desencadeia o racismo incubado por gerações, Paulino também tem notícias das brincadeiras não menos contundentes a que os negros são submetidos onde quer que haja pessoas ignorantes. Como exemplo, cita o que ouviu de outro cabo-verdiano residente em Porto Alegre: em aula, um aluno (branco, mas com sobrenome Black) fez algo de errado, ao que outro aluno (também branco) comentou: “Tinha que ser um black”.

Paulino diz: “A gente fica triste, mas, o que fazer? Há mudança, mas é muito lenta. Imagino como era 20 anos atrás. É muito pouco para uma cidade como Porto Alegre, para um estado como o Rio Grande do Sul.” Em breve, para ele, esses relatos serão apenas uma lembrança, amarga mas longínqua, enquanto, para boa parte da população gaúcha e brasileira essas coisas continuarão a fazer parte do cotidiano. Até que se cumpra a lei.

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Divisões Perigosas ou Unidade Duvidosa?

 

Resenha de "Divisões Perigosas", organizado por Peter Fry e Ivone Maggie, escrita pelo Antropólogo Márcio Goldmann – MN/UFRJ – e publicado na Folha de São Paulo em 16/06/2007. 

"Divisões Perigosas" dá continuidade a uma conhecida intervenção política contra o Estatuto da Igualdade Racial e a lei de cotas em tramitação no Congresso Nacional: de seus 46 artigos, dois terços já foram publicados em jornais e revistas de grande circulação nacional (11 deles na Folha). Seu argumento não é menos conhecido: qualquer política pública em benefício dos que sofrem discriminação racial é perigosa e corresponde a uma forma de racismo.
Se a intervenção é política, sua legitimidade é buscada na qualificação profissional dos autores. O que permitiria esperar mais rigor nos textos e uma maior clareza na explicitação das opções intelectuais adotadas. Mas não é difícil perceber, desde o título, os pressupostos de "Divisões Perigosas": falar em raça é "perigoso" porque "divide" uma unidade transcendente, a humanidade (alguns preferem a sociedade ou a identidade nacional), e porque, garantem os cientistas naturais que colaboram no livro, "raça" não existe. O que "existe" é, de um lado, o "código genético"; de outro, completam os cientistas sociais, a estrutura e os valores da sociedade brasileira (que, asseguram, não é racista).

Conceito de raça
Se raça foi durante muito tempo um conceito tido por científico, o reconhecimento de que certezas passadas da ciência não passam, hoje, de erros, deveria levar a uma certa modéstia, não a novas certezas mais uma vez disseminadas com "autoridade científica".
Intelectuais acostumados a lidar com a construção social do conhecimento, a inextricável mistura de ciência e interesses e a pôr os fenômenos em seu contexto, deveriam admitir que a recusa do conceito de raça pela genética não significa a "descoberta" de que raças não existem.
E que essa recusa não tem o poder de fazer calar categorias homônimas utilizadas por outros agentes sociais em suas lutas.
Isso não ocorre apenas quando se evoca a ciência para garantir a inexistência das raças, mas também quando se opõe a "verdadeira" história da África ou a estrutura "real" da sociedade brasileira ao que se considera meras ilusões. "Desessencializar" é tarefa complexa, especialmente quando, via de regra, consiste na substituição de uma essência por outra.

Enfrentar o racismo
"Raça" não é nem uma coisa cuja existência ou inexistência poderia ser arbitrada pela ciência, nem um simples recorte equivocadamente efetuado em uma unidade originária. É uma categoria que pode ordenar de diferentes maneiras a diversidade do real e da experiência.
Quando os movimentos negros falam em raça, não estão se referindo a genótipos ou a louváveis ideais abstratos de igualdade, mas a experiências coletivas de discriminação e resistência.
Quando o combate às desigualdades raciais assume a forma de políticas públicas é para enfrentar o racismo no campo sociopolítico, não apenas no das ideologias e preconceitos.
Ao silenciar sobre as lutas e reivindicações dos movimentos minoritários, o livro converte alvos do racismo em racistas potenciais e confunde o combate à discriminação com "políticas raciais" inventadas por intelectuais influenciados por idéias estrangeiras e políticos em busca de votos. E ao se concentrar nas "falsas idéias" e não no conteúdo efetivo das práticas racistas, acaba por associar essas lutas e essas políticas à Ku Klux Klan, ao apartheid e até ao nazismo, disseminando um medo que não sabemos bem de quê ou de quem é. Talvez de uma experiência sociopolítica visando modificar o quadro geral de desigualdade e exclusão no qual vivemos.


MARCIO GOLDMAN é professor associado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Indígenas na UFRGS! Multiplicidade na Universidade!

Eles, os índios!?

Os índios Guarani, do tronco lingüístico
Tupi-Guarani, e os Kaingang, do tronco lingüístico Jê, atualmente são os
principais grupos indígenas presentes no sul do Brasil. Ambas as etnias estão
entre as mais populosas do país: a etnia Kaingang soma ao todo 26.000 pessoas
espalhadas por quatro diferentes estados; por seu turno, os Guarani chegam a
mais de 36.000 pessoas. Existiam muitas outros grupos indígenas no cone sul da
América Latina nos tempos do contato, no entanto a maioria destes foram
exterminados: povos como os Charrua, os Minuanos, os Tapes e os Patos foram
vítimas da escravização e do genocídio potencializado por doenças e propagado
por guerras contra os invasores de suas terras, não sobreviveram como os
Guarani, e os Kaingang à violência estrutural da máquina colonial. Estes
últimos resistiram às ameaças do período colonial para enfrentarem os terrores
do pós-independência no qual comunidades inteiras foram assassinadas ou
arrancadas de suas terras através de um processo de branqueamento genocida que
"traria o progresso” patrocinado pelo Segundo Reinado.
 
Ao fim de quase quinhentos anos do contato,
os Guarani e Kaingang continuam sendo sumariamente marginalizados diante de
suas formas culturais. Ainda hoje a imensa maioria das pessoas de nossa
sociedade desconhece suas lutas e suas histórias, assim como sua existência
para além daquele índio histórico congelado no tempo, ainda que eles não
queiram crer que sejamos os mesmos portugueses que desceram daquelas caravelas
em 1500 ou os mesmos africanos que, tempos depois, eram vergonhosamente
trazidos em correntes por aqueles.
 
Orgulhosos de suas línguas, de seus
costumes e tradições milenares, tanto os Kaingang quanto os Guarani habitam suas
aldeias e, por vezes as cidades. São homens, mulheres e crianças que fazem
parte de uma sociedade pluriétnica que somente agora, depois de quinhentos anos
de contato, começa a compreender a riqueza e a profundidade de seus saberes
ancestrais para além dos preconceitos e superficialidades do racismo.

 

Por que vagas para indígenas na UFRGS?

O simples fato de estas etnias terem
sobrevivido a toda a matança e negação de sua cultura pelos europeus e seus
descendentes já faz com que tenham passado por um processo seletivo muito mais
severo que quaisquer provas de vestibular imagináveis. Sobrevivente desse
processo que exterminou centenas de etnias, os Guarani e os Kaingang, a custa
de lágrimas, vidas e sangue, sofrendo todos os tipos de preconceito, habitam
este país que, erguido sobre suas terras e seus mortos, chamaram Brasil. O
mínimo a ser feito é reconhecer a importância ética e imprescindível para esta
nação, o valor de suas tradições e o direito de tomar parte nas instituições
brasileiras, naquelas em que estes queiram participar.

 

A universidade para os indígenas

Historicamente as políticas da sociedade brasileira foram
formuladas em conluio com o quase total desconhecimento da riqueza sociocultural
dos povos originários habitantes deste território. É de senso comum a constante
reafirmação da atual inexistência dos
indígenas, ainda que, nos dias de hoje em lugares como o Mato Grosso do Sul e
no Tocantins, são muitas as ações para efetivá-la.

No Rio Grande do
Sul, muitos indígenas, desapossados de suas terras, vivem numa condição
degradante, sem espaço para a reprodução plena do seu modo de ser.  Para
garantirem a sobrevivência das futuras gerações, está colocado a estas
populações o desafio de aprender como lidar com saberes que não são próprios de
sua tradição – jurídicos, lingüísticos, técnicos, etc – que poderiam
auxiliá-los em suas lutas por uma vida mais digna e plena da forma como estes
compreendem esta amplitude e dignidade.

 

Os indígenas para a
universidade.

 
Quando os indígenas observam algo no
mundo, eles o fazem de uma forma muito distinta da nossa, pois seus
condicionamentos culturais fazem com que percebam e pensem de um modo que lhes
é peculiar. Durante muito tempo os brancos viram a diferença em termos de
inferioridade; agora se sabe que aquela inferioridade não estava no diferente em si, mas sim nos olhos e nos
constrangimentos culturais daqueles que observavam.

 
Os povos ameríndios são também
portadores de sabedorias milenares que vão da ecologia, passando pelos saberes
políticos, medicinais e outros, relacionados
a suas formas lingüísticas: a sua eloqüência e oralidade
. Os
índios, na universidade, certamente contribuirão para a diversificação e
ampliação do conhecimento científico, de maneiras que no momento só podemos
imaginar: Basta que não cometamos a injustiça de avaliá-los por nossas medidas,
por saberes que são tão desconhecidos para eles quanto as línguas deles o são
para os nossos ouvidos.

A diversidade certamente fará
muito bem à universidade!! Mobilize-se pelas vagas para
indígenas e cotas para negros na UFRGS já!!

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Por que cotas na UFRGS?

 

por Patrice Schuch (Antropóloga e pesquisadora associada ao Núcleo de Antropologia e Cidadania da UFRGS, bolsista de pós doutorado Jr do CNPq).

A UFRGS está discutindo a implantação do sistema de cotas raciais para ingresso no vestibular. Embora as polêmicas mais acirradas estejam sendo efetuadas dentro dos muros da universidade, este debate interessa a todos nós. A desigualdade racial não é privilégio dos campos universitários. Contudo, a forma de ingresso em tais espaços tem contribuído para o agravamento das disparidades das relações raciais na sociedade brasileira e não para sua superação. A implantação do sistema de cotas visa tornar essa realidade menos desigual. No entanto, essa medida vem sendo criticada, sobretudo, através de três argumentos principais: 1) o que fundamenta a desigualdade na sociedade brasileira seria a estrutura de classe e não as relações raciais; 2) a noção de raça seria uma falácia, uma vez que tal conceito foi negado pela genética; 3) a idéia de que a implantação das cotas levaria a uma "racialização" da sociedade brasileira. O que os três argumentos têm em comum é uma essencialização notável das diferenças e uma desconsideração das sutis, mas graves, opressões constitutivas das relações de raça no Brasil.

Embora fundamental, a estruturação das relações de classe é insuficiente para a compreensão das dinâmicas de constituição da subordinação social em nosso país e, em especial, para a avaliação do perfil dos jovens universitários. Estudos recentes das ciências sociais têm extrapolado as dicotomias generalizantes para abarcar a exploração das diferenças entre classes sociais e no interior das classes sociais. As intersecções entre raça e classe, por exemplo, revelam que a sociedade está recortada por múltiplas camadas de subordinação que não podem ser reduzidas unicamente à questão de classe. Entre os mais pobres, ainda assim os negros têm menor acesso aos recursos sociais básicos do que os brancos e são as maiores vítimas de violência social e policial. A imbricação entre raça e classe, por outro lado, produz a inusitada situação em que, na universidade com maior percentual de professores negros – a Universidade de Brasília – esse percentual seja de apenas 1%. Na UFRGS, menos de 2% dos estudantes e 0,3% dos professores são negros. A raça é, assim, um fator importante de subordinação social, seja entre a classe mais rica, seja entre a classe mais pobre.

Ignorar a persistência da raça é, portanto, desconsiderar que a cor da pele, no Brasil, continua sendo uma chave de leitura para ordenar o real, mesmo que seus fundamentos biológicos já tenham sido ultrapassados há tempos. As estatísticas oficiais do IBGE são claras a esse respeito, basta querer lê-las. Se considerarmos a taxa de mortalidade infantil, por exemplo, vemos que há anos o percentual de incidência desse problema tem sido maior para negros do que para os brancos. Além disso, os negros morrem, em média, mais cedo do que os brancos. As causas das mortes também são diferentes, segundo pesquisa do Ministério da Saúde, publicada em 2004: enquanto para a população negra a principal causa de morte vem de homicídios, acidentes de trânsito, suicídios e outras mortes consideradas violentas, para os brancos a principal causa de morte são as doenças circulatórias. Dados recentes de uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social apontam outras situações desiguais: entre os quilombolas, a proporção de crianças de até cinco anos desnutridas é 76,1% maior do que o restante da população brasileira. O ingresso nos bancos universitários reproduz essa tendência desigual: segundo os dados levantados pelo PNUD no "Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005: Racismo, pobreza e violência", no ano de 2000 o percentual dos homens negros com mais de 30 anos de idade que tinha diploma de graduação (2,7%) era inferior ao mesmo dado registrado para os homens brancos em 1960 (3%), quarenta anos atrás.

Tais dados são contundentes no argumento de que a sociedade brasileira estrutura-se de forma efetiva também a partir da noção de raça. Denominar uma tentativa de transformação das desiguais relações raciais no Brasil como racista é se esquivar de participar de um processo de renegociação mais ampla do sentido de pertencimento e inclusão social. A sociedade brasileira precisa discutir que tipo de relações sociais quer construir. A universidade tem uma tarefa importante a cumprir nesse sentido, tanto politizando o debate acerca de uma suposta harmonia racial, quanto no desenvolvimento de mecanismos para o combate de desigualdades raciais persistentes e silenciadas há muito.

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UFRGS apura casos de racismo e anti-semitismo

 

publicado no website sala de imprensa em 13/06/2005 

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) abriu sindicância para investigar suspeita de que o aluno do Curso de Ciências Atuariais Gabriel Afonso Marchesi Lopes divulgava idéias racistas durante as eleições para o diretório acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas. Integrantes de outra chapa divulgaram e-mail assinado por Lopes.

Na mensagem inserida numa lista de discussões de acesso restrito da internet, direcionada ao clandestino Partido Nacional Socialista Brasileiro, agremiação que se diz nazista, Lopes sugere idéias racistas e diz que usaria o cargo para arrecadar dinheiro para a sigla clandestina.

Ele se definiu como fascista. "Tenho amigos negros, só sou fascista. Nazista, eu não sou", declarou. Questionado se propaga idéias apenas contra judeus, ele disse que não conhece nenhum judeu. "Como posso ser contra quem não conheço?"

Apesar disso, ele reconheceu ter usado a seguinte frase em uma troca de e-mails: "Peço a ajuda de vocês, pessoas intrinsecamente envolvidas com a causa Nacional-Socialista no Brasil, para pensarmos, juntos, uma maneira eficaz de deter esses odiosos vermes judeus."

Em outros trechos Gabriel se posiciona favoravelmente à empreitada anti-semita dos skinheads que atacaram judeus em Porto Alegre. O estudante e sua chapa renunciaram quando seus oponentes apresentaram uma série de correspondências à direção da universidade. 

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Sindicância na UFRGS investiga aluno acusado de anti-semitismo

Publicado no website da Folha de São Paulo no dia 08/06/2005

Por  Léo Gerchmann

A atuação de grupos neonazistas no Rio Grande do Sul, detectada e apurada pela polícia gaúcha há dois anos, chegou à universidade pública federal.

Sindicância da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) investiga o aluno de ciências autuariais Gabriel Marchesi Lopes pela disseminação do anti-semitismo e intenção de usar a presidência do diretório acadêmico para ajudar a financiar um clandestino Partido Nacional-Socialista Brasileiro.

A suposta agremiação, que se autodeclara nazista e atua em Porto Alegre (RS), costumava se reunir informalmente em uma pizzaria no bairro Menino Deus –mudou de endereço após ter sido descoberta, passando a não manter um local fixo para seus encontros.

Lopes era candidato à presidência do diretório. Renunciou quando seus oponentes apresentaram à direção da faculdade e-mails que assina com conteúdo anti-semita. O aluno reconhece ter redigido e-mail no qual fala em "deter esses odiosos vermes judeus". Nega, porém, o que fala em conseguir fundos.

Segundo a UFRGS, a mensagem é a seguinte: "Caso consiga obter o cargo que estou pleiteando, sei que poderei dar um apoio concreto ao NS [Nacional-Socialista] de Porto Alegre, pois me será disponibilizada uma gama de recursos".

O procurador-geral da UFRGS, Armando Pitrez, cogita a possibilidade de, após a sindicância de 30 dias, o aluno ser expulso, além de processado criminalmente –o caso seria levado ao Ministério Público Federal.

Outros casos

A Folha apurou que há pelo menos quatro grupos de diferentes vertentes fazendo apologia da discriminação étnica, religiosa, racial, contra comunistas, ciganos e deficientes físicos e mentais. "Eles se movem com eficiência. Vem gente do exterior, grupos musicais que tocam para 20 pessoas. Essa rede vem pregando pela internet", disse Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, que ajuda a subsidiar a polícia com informações.

A reportagem teve acesso a trechos de diálogos no Orkut. Exemplo: "Aqui [Porto Alegre] tem o bairro Bom Fim, onde 70% [pelo que eu sei] dos moradores são de origem judaica. (…) Dá vontade de largar uma bomba nesse bairro." "Em SP tinham que explodir com aquele maldito Shopping Higienópolis e exterminar todos esses ratos do bairro também, malditos judeus (…)." "Camaradas, vocês estão muito visados… excluam isto [as mensagens] logo." "Verdade, duvido que não tenha um judeu lendo tudo aqui… melhor combinar por fora."

No mês passado, também em Porto Alegre, foram indiciados e presos quatro rapazes que se declaram neonazistas, suspeitos de esfaquear três judeus –que já tiveram alta do hospital. Eles negam que tenham participado das agressões.

Nas casas deles, a polícia encontrou cartilhas, reproduções de fotos de Adolf Hitler e uma bandeira nazista.

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