O que perdemos com a ausência de indígenas na UFRGS

O que perdemos com a ausência de indígena na UFRGS

Maria Aparecida Bergamaschi, Doutora em Educação
Indígena e Diferenciada – Professora na Faculdade de
Educação da UFRGS.

A ausência completa de
estudantes dos povos indígenas nos cursos de graduação
da UFRGS indicam muitas perdas para a nossa universidade e para as
sociedades não-indígenas, em geral. Além da
presença de outras cosmologias, outros saberes, outros
valores, outros conhecimentos, outros modos de ser e estar no mundo,
perdemos o elo que nos conecta com a ancestralidade de nosso solo
americano, como diz Kusch, ao evidenciar o quanto a nossa América
é indígena – embora negamos isso cotidianamente.

A escola para os índios
foi a que primeiro se estruturou no Brasil, uma escola que seguiu os
passos da colonização, “branqueando”,
criastianizando, esforçando-se para integrar os povos
indígenas na “comunidade nacional” (integrar nas margens).
E por mais de cinco séculos as sociedades indígenas
resistiram, mantendo-se indígenas, mas transformando-se de
muitas maneiras por suas dinâmicas culturais e, sobretudo,
forçados pela ocupação violenta e desrespeitosa
dos povos não-indígenas. Na escola feita para os
índios, as sociedades indígenas que a freqüentaram
mantiveram seus valores, mantiveram sua língua, muitas vezes
silenciada – algumas vezes até apagadas e substituídas
pela língua do colonizador. Fiéis aos modos de vida
tradicionais, silenciosamente transformaram a escola nas aldeias,
tomando para si o protagonismo da educação escolar.
Os dados do Censo Escolar 2005
(INEP / MEC) apontam
a existência de 2.324 escolas funcionando nas terras indígenas
brasileiras, atendendo a 164 mil estudantes. Nestas escolas trabalham
aproximadamente 9.100 professores, 88% deles indígenas,
empenhados em construir propostas pedagógicas condizentes com
suas cosmologias.

No Rio
Grande do Sul são mais de 50 Escolas Indígenas de
Ensino Fundamental específicas, diferenciadas e bilíngües
em terras indígenas Kaingang e Guarani, cerca de 350
professores indígenas que atendem 5.200 alunos das duas
etnias. Os povos Kaingang e Guarani lutam também por escolas
de Ensino Médio e quiçá um dia, a exemplo dos
povos indígenas canadenses e estadosunidenses, uma
universidade indígena – numa aldeia. No Brasil já
existem universidades públicas com cursos de graduação
indígenas, como por exemplo a UNEMAT, que já formou a
primeira turma de professores de várias etnias indígenas,
a Faculdade de Educação da USP e da UFMG, entre outras.
E as cotas para indígenas em todos os cursos é uma
realidade em muitas universidades brasileiras, como a UFPR, a UFBA, a
UnB, só para citar algumas. A UFRGS está atrasada nesse
processo e perde com isso.

Kaingang e
Guarani querem e precisam da universidade que lhes foi negada. Mas
também nós, da universidade, das sociedades
não-indígenas, precisamos de estudantes indígenas
na UFRGS, para aprender na prática a nossa história,
para evocar à memória a lembrança de nossa
ancestralidade, para conviver com outros saberes e valores e,
principalmente, para dirimir os fortes preconceitos que permeiam as
relações com as sociedades indígenas.

Os povos
indígenas querem e precisam da universidade e, nesse momento
Kaingang e Guarani não falam em universalizar o acesso à
universidade, mas estrategicamente formar algumas pessoas das aldeias
para exercerem funções e cargos historicamente ocupados
por não-indígenas: professores, gestores de
instituições e ações governamentais
indigenistas e outros tantos profissionais especializados para tratar
das questões que estão fora da sociedade indígena,
mas que lhes diz respeito. Querem e precisam da universidade para
dialogar com a sociedade não-indígena.

Querem,
precisam e têm direito à universidade, à
universidade pública, à UFRGS. Abrir as portas da UFRGS
para os povos indígenas, mesmo que uma pequena fresta, é
um gesto de reconhecimento da ancestralidade indígena
americana. É acolher uma presença que é indígena
em primeiro lugar, presença negada historicamente. Acolher
essa presença é ganhar em conhecimentos, em valores, em
saberes. É acolher a nossa ancestralidade!

Por uma
política pública que afirma o ingresso e a presença
dos povos indígenas na nossa universidade que, para ser nossa,
tem que ser de todos.

SIM ÀS
COTAS PARA NEGROS E INDÍGENAS NA UFRGS!

This entry was posted in Na Raça. Bookmark the permalink.