Grupo é preso com cartaz racista anticotas em São Paulo

André (em pé), do grupo White Power  “Não morreram seis milhões de judeus, não existiram câmaras de gás e nem Hitler foi um assassino”  Fonte: ISTOÉ 08/12/1999 : 

Originalmente publicado no website da Folha de São Paulo em 24/10/2006

Três homens foram flagrados com o material na Vila Mariana (SP); polícia os indiciou sob a acusação de crime de racismo. Eles estavam com o material do grupo White Power SP, que prega o racismo e a intolerância contra negros, judeus, nordestinos e gays.

Três homens foram presos na madrugada de ontem colando panfletos racistas com críticas ao programa de cotas de vagas para afrodescendentes nas universidades públicas. O grupo foi flagrado com o material nas imediações da Vila Mariana, zona sul de São Paulo, próximo a uma universidade.

Os três foram indiciados sob a acusação de crime de racismo -incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional. O crime é inafiançável e a pena é de 1 a 3 anos de prisão.

Os cartazes, que foram impressos do site do grupo White Power (Poder Branco) São Paulo, diziam: "Vestibulando branco. Hoje eles roubam sua vaga nas universidades públicas. E chamam isso de direitos iguais. Se você não agir agora, quem nos garante que eles não roubarão vagas nos concursos públicos? Devemos assegurar a existência de nossa raça e futuro de nossas crianças brancas". Também simula uma prova de vestibular feita por um negro com respostas com erros grosseiros e o carimbo de "aprovado".

O White Power São Paulo, que é investigado pelo Ministério Público desde 2004, se diz "nacional-socialista", prega a valorização da raça branca, a intolerância contra negros, judeus, nordestinos, imigrantes ilegais e homossexuais.

Os presos são: o autônomo Rogerio Costa Andrade, 27, o designer Eduardo Brandão Jarussi, 26, e o vendedor Emerson de Almeida Chieri, 34. À polícia, eles disseram que não são racistas. À Folha, disseram que têm o direito de expressar sua opinião (leia texto ao lado).

"O White Power é nazi-racista e está se organizando. Já foi denunciado por panfletagem pregando ódio contra negros e judeus no ABC há três meses", afirmou ontem Dojival Vieira dos Santos, da Afropress -Agência Afroétnica de Notícias. Segundo ele, o White Power se considera mais "ideológico do que os Skinheads [Cabeças Raspadas]", conhecidos pelas ações violentas.

Lições de racismo

A página do White Power SP na internet contém diversos artigos que enaltecem o nazismo. Ensina até "como divulgar a propaganda pró-branco", dá dicas de como colar os panfletos e até recomenda que os mesmos sejam afixados, entre 23h e 4h.

Segundo a polícia, os acusados, que são todos brancos, foram presos por volta da 0h35 de ontem. Dois têm a cabeça raspada: Andrade, que segundo a polícia possui tatuagens do grupo White Power e Skinhead, do qual teria sido membro atuante, e o designer Jarussi.

Já o vendedor Almeida Chieri, também indicado, já teve passagens na polícia por roubo, furto e posse de droga. "Não sabia que os cartazes tinham esse conteúdo. Pensei que se tratavam só de críticas as cotas para negros", disse ele à polícia. Chieri ainda alegou que tem dois filhos afrodescendentes com sua ex-mulher. Os três foram transferidos para o CDP (Centro de Detenção Provisória) Independência, na capital.

Eles já teriam afixado 20 dos 261 cartazes de cunho racista quando foram surpreendidos pela PM na esquina das avenidas Lins de Vasconcelos com a professor Noe Azevedo, nas proximidades da faculdade Unip e Metrô Vila Mariana.

Caso fique provado que os três ainda são responsáveis pela autoria do conteúdo dos cartazes, a pena pode aumentar para de 2 a 5 anos. Segundo a versão da polícia, Chieri estava com um soco inglês e um cartaz. Andrade segurava um tubo de cola e um rolo para pintar. Jarussi ficou dentro de um carro com cartazes.

O delegado-assistente Rui Diogo da Silva, do 36º DP, do Paraíso, onde foi feita a ocorrência, investiga a possibilidade de mais pessoas estarem envolvidas com os três acusados.

"Eles são contra a cota para negros e não se dizem racistas, mas a conduta prova o contrário. Menospreza a capacidade intelectual da raça negra", disse o delegado, que é afrodescendente e contrário às cotas raciais. "Acho que as cotas devem ser para alunos das escolas públicas, brancos ou negros."

Presos dizem ter direito a expor opinião

Os três homens presos com os panfletos de cunho racista negaram, em depoimento à polícia, serem racistas. Um deles, o designer Eduardo Brandão Jarussi, 26, disse à Folha que foi mal interpretado por ter exposto a sua opinião sobre aquilo que pensa em relação ao sistema de cotas para negros nas universidades públicas do país. Os três indiciados ironizaram a presença dos jornalistas na delegacia de polícia e disseram ter sido agredidos por policiais. Policiais negam esta versão. Leia abaixo alguns trechos da entrevista. (KT)

FOLHA – O que vocês têm a dizer em suas defesas?

ROGERIO COSTA ANDRADE – Tudo por causa de meia dúzia de panfletos. EDUARDO BRANDÃO JARUSSI – Trezentos repórteres ai dentro por causa de meia dúzia de panfletos. Por que você não escreve aí que apanhamos? Quero a garantia que não haja mais abusos. Não permitimos que nos fotografassem… Me responda uma coisa: quantos homicídios e estupros acontecem por dia em São Paulo? E você aqui por causa de meia dúzia de panfletos…

FOLHA – Vocês são amigos?

EMERSON DE ALMEIDA CHIERI, ANDRADE E JARUSSI – Sim.

FOLHA – Vocês têm alguma ideologia?

JARUSSI – Não, não. Estava expressando a minha opinião sobre o sistema de cotas do país, ponto final. Infelizmente na democracia onde eu vivo a opinião não pode ser expressada. Acho que fui mal interpretado e acho absurdo e pesado o que está acontecendo conosco. Simplesmente eu não consigo conceber que por causa de meia dúzia de panfletos esteja tendo esse alarde.

Site levou Ministério Público Federal a investigar grupo a partir de 2004

REGIANE SOARES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O Ministério Público Federal investiga a atividade do grupo White Power na internet em vários inquéritos desde 2004. O mais recente foi aberto em julho para descobrir quem são os responsáveis pelo site.

A página está hospedada em um servidor nos EUA, e não no Brasil, o que dificulta a retirada do conteúdo do ar. Ainda não há um entendimento jurídico sobre qual legislação deve ser aplicada -americana ou brasileira- em casos como esses.

O procurador Sergio Suiama disse ontem que requisitará à polícia as informações sobre o caso registrado ontem, pois podem ser úteis na investigação do Ministério Público Federal.

Em outra investigação, o MPF quer descobrir quem do mesmo grupo fez comentários racistas no Orkut. A Justiça Federal já autorizou a quebra do sigilo dos dados de internautas suspeitos de criar as páginas, mas aguarda que a Google Inc., responsável pelo Orkut, encaminhe as informações. O Ministério Público Estadual também acompanha a investigação policial que apura a divulgação de outro cartaz com teor racista do White Power colado em pontos de ônibus de Santo André em julho. O inquérito está no Deic (crime organizado), pois envolve a divulgação do site. O White Power São Paulo não respondeu ao email da Folha para comentar o assunto até o fechamento desta edição.

"Brasil está contaminado pelo racismo", diz representante de movimento negro

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

O coordenador da ONG Educafro (que oferece cursinho pré-vestibular a alunos de baixa renda), frei Davi Santos, afirmou que os três homens presos ontem pela polícia representam uma pequena mostra do racismo que há no Brasil.

"Eles são apenas a ponta do iceberg. A minha percepção é que o Brasil está contaminado pelo racismo", disse Santos, um dos principais líderes do movimento pró-cotas no país. Para ele, essa situação só irá mudar quando os governos federal, estaduais e municipais "ampliarem o direito para os negros, deixando o Brasil mais agradável, sem discriminação".

"O que as pessoas racistas não entendem é que as cotas são uma política transitória, que chama a atenção para a desigualdade", disse Santos.

Especificamente sobre os três homens presos pela polícia, o coordenador da Educafro disse que "é preciso tratar essas pessoas, que são doentes. Algumas palestras podem fazê-las mudar seus conceitos".

As cotas visam aumentar a presença na universidade de alunos negros do ensino médio público. Para isso, as universidades reservam vagas no vestibular para esse fim. Na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), por exemplo, a cota é de 10%. Já a USP, não adota o sistema de cotas. Segundo o Ministério da Educação, em 2005, 23 instituições o adotaram.

 

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