Por Paulo Santana, publicado originalmente no site da Zero Hora
De repente, terá aflorado a vocação racista gaúcha e brasileira nas
pichações feitas em torno do Campus Central da UFRGS e no Orkut, com
base na discussão sobre as cotas raciais para ingresso nas
universidades?
As pichações são de uma violência verbal
revoltante: "Negro, só se for na cozinha do Restaurante Universitário".
"Voltem para a senzala".
E a mais sórdida frase racista que já li, no Orkut: "Eu não tenho culpa de ter nascido com a cor certa".
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Se
eu estivesse indeciso sobre o mérito das cotas raciais, depois de ter
lido essas frases me declararia inteira e definitivamente a favor
delas.
Por isso só é que gostaria de saber se essas frases
foram escritas mesmo por brancos. Se elas refletem mesmo o ódio e
desprezo que são dedicados aos negros ou se foram postas no muro e na
Internet apenas para garantir maior apoio às cotas raciais.
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Eu
tendo a ser favorável às cotas raciais. Porque na Bahia 85% da
população é constituída por negros. E freqüentam o Ensino Superior em
torno de apenas 10% de negros. Se é assim na Bahia, pior deve ser nos
outros Estados.
Isso é a exacerbação clara e manifesta contra
uma raça, impedida de ter acesso ao progresso pessoal, profissional e
social através dos séculos.
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Dir-se-á
que a discriminação no ensino brasileiro não é racial, é social, os
pobres não têm acesso a universidades públicas, negros e brancos, o que
é verdade.
Na Bahia, a cota social resolveria o problema. Como
a maioria arrasadora da população é negra, fatalmente com a cota racial
os negros acabarão ingressando na universidade.
Mas e nos
outros Estados, onde a maioria dos pobres é branca, como se poderia
regenerar a passos largos a discriminação ancestral contra os negros?
Nunca se daria.
Acabaria acontecendo que mais brancos ingressassem nas universidades gratuitas: dessa vez os brancos pobres.
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O
ideal é que se fizesse a cota racial junto com a cota social. Os
negros, discriminados não só na universidade como nos empregos,
poderiam então aos poucos obter a revanche histórica contra a opressão
amassante que sempre sofreram concorrendo com as duas chances.
É
muito difícil compreender que se deva dar um privilégio aos negros para
ingresso no Ensino Superior público. Porque é muito difícil de entender
que haja racismo no Brasil.
Pelo simples fato de que a maioria
larga dos racistas não sabe que é racista, não tem consciência de que
discrimina. Só se conhecerá a si própria no dia que a filha vier
anunciar que está namorando um negro. Como é muito raro uma branca
namorar um negro, essa falta de consciência vai perdurando pelos
séculos.
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O que tem de ser eliminado é
o privilégio gritante das camadas economicamente mais altas da
população, que vêm tendo através dos tempos a exclusividade para
ingresso nas universidades públicas. Um monopólio dilacerante para os
pobres.
Se na universidade pública têm assento quase que
privativo as elites, nas privadas nem se fala. O que se cobra hoje de
mensalidades nas universidades privadas torna completamente proibitivo
aos pobres acessá-las.
Temos então dois círculos de inferno para os pobres e os remediados: o âmbito escolar público e o privado.
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certo talvez seja que a universidade pública fosse destinada em metade
de suas vagas para os menos favorecidos economicamente, entre eles os
negros, mas também sem deixar de favorecer os brancos e os mestiços sem
poder aquisitivo.
É que foi tão gritante através dos tempos o
preconceito contra os negros, salta tanto aos olhos que os negros não
freqüentam nenhum dos andares mais altos da camada social,
econômico-financeira e cultural, que grita aos céus uma igualdade para
eles.
E a única forma da grande revanche tem de se dar no ensino gratuito.
Se
eu tivesse certeza de que essas frases pérfidas que estão sendo
pichadas nos muros da cidade e escritas no Orkut contra os negros são
mesmo de autoria de brancos racistas, não teria mais qualquer dúvida de
que é imperiosa, imprescindível e redentora a instituição das cotas
raciais nas universidades públicas brasileiras.
Seria o
primeiro grande passo para virar esse jogo desigual em que os negros
até agora, desde a fundação do Brasil, só têm direito a perder.