publicado na Folha Online em 13/10/2001.
O índice de repetência de crianças negras é maior que das brancas desde a pré-escola, segundo
pesquisa realizada pela psicóloga
Fúlvia Rosemberg, da Fundação
Carlos Chagas.
Baseada na Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio), do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), a pesquisa mostra que, das crianças de
sete anos ou mais que ainda estão
na pré-escola, 63,5% são negras
-pretas ou pardas-, enquanto
36,5% são brancas. Segundo a
pesquisadora, a retenção de alunos negros também é maior no
ensino fundamental.
Entre os alunos que cursam a
pré-escola durante a época considerada normal -com até seis
anos de idade- 43,1% são negras
e 56,3% brancas, situação proporcional à composição racial da população brasileira.
A pesquisadora atribui a desigualdade entre raças no desempenho escolar
aos fatores socioeconômicos e ao que chama de "pessimismo racial", que
significa descrença na possibilidade de sucesso do aluno negro.
Para Rosemberg, uma ideologia
racista é transmitida dentro da
própria escola. "A criança negra é
considerada, de antemão, o candidato mais provável à repetência
por todo o aparato educacional
-do professor ao diretor e ao secretário de Educação."
A coordenadora de educação
infantil do MEC, Stela Maris Oliveira, discorda que exista racismo
por parte no sistema educacional,
mas julga "preocupantes" os dados sobre retenção escolar por raça. "Todos os profissionais da
área devem ficar atentos para não
deixar que suas concepções e valores pessoais interfiram na avaliação que fazem das crianças."
Fatores socioeconômicos também foram levados em consideração pela
pesquisa para justificar o alto índice de repetência de crianças negras
na pré-escola. Segundo Fúlvia Rosemberg, o ensino oferecido a essa
população, majoritariamente pobre, é sempre de qualidade inferior e,
muitas vezes, improvisado. "Nosso modelo de expansão educacional
permitiu, por exemplo, que nas áreas mais pobres do país, pessoas sem
formação específica se tornassem professoras da pré-escola."
O fundador do curso pré-vestibular para negros e carentes Educafro, frei David Santos, acredita
que o negro tem dificuldade em
aprender aquilo com que não se
identifica. "O ensino deve partir
da cultura do povo, estar ligado à
sua realidade. Os conteúdos que
são passados nas escolas brasileiras são comprometidos com
ideais da elite e eurocentrismo."
Para o sociólogo Antônio Sérgio
Guimarães, 52, da USP, a desigualdade de oportunidades não
basta como explicação. "Muitos
estudantes negros sentem que
aquele mundo não é deles. Não há
filósofos nem reis negros nos livros didáticos", diz o professor,
organizador de "Tirando a Máscara", compilação de estudos sobre o negro no Brasil.
(CM)