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Publicado na Agência de notícias Afropress em 02/04/2007.
Brasília – As portas de três apartamentos do
Bloco B da Casa do Estudante Universitário (CEU) da Universidade de
Brasília, ocupados por estudantes africanos da Guiné Bissau, foram
incendiadas por grupos racistas por volta das 4h da madrugada desta
quarta-feira. A Polícia federal já tem os nomes de alguns suspeitos e
investiga o caso. A UnB tem cerca de 150 estudantes africanos como
alunos, de vários paises do Continente.
Durante a tarde, um ato
de protesto reuniu cerca de 300 estudantes, africanos e brasileiros, que
lotaram o auditório para exigir providências do reitor Timothy
Mullholhand. “A universidade sofreu um atentado. Temos de enfrentar
essa questão e os nossos esforços serão no sentido de buscar a
convivência pacífica entre todos os alunos”, disse o reitor, admitindo
colocar câmeras para vigiar a Casa, que terá o reforço de seguranças.
Atentado
Os
moradores acordaram com o cheiro forte de fumaça, que tomou os
corredores e levou pânico. Na ação racista também foi empregada uma
bomba de fabricação caseira. Os criminosos tiveram ainda o cuidado de
esvaziar os extintores de incêndio do primeiro e segundo andar para
impedir que o fogo fosse debelado. Todos os apartamentos, onde vivem
os estudantes africanos tiveram as portas marcadas com cruzes vermelhas.
“Eu
só levantei porque meu amigo alertou sobre a fumaça. Desesperados,
pulamos a janela e fomos procurar pelos extintores. Nenhum funcionava,
só um do terceiro andar”, contou o aluno do Curso de Administração de
Empresas, Samory de Souza, da Guiné Bissau, que divide o apartamento
106 com mais três amigos.
As estudantes senegalesas Racky Sy e Wolette Thiam, respectivamente dos cursos de Letras e
Arquitetura, contaram os momentos de pavor. “Sem dúvida nenhuma isso
foi motivado pelo racismo e pelo preconceito”, diz Racky, que mora com
a amiga no apartamento 105, que teve toda a porta consumida pelo fogo.
As duas alunas reclamaram da falta de segurança na Casa do Estudante.
“Aqui não tem segurança. De madrugada você não acha ninguém e, quando
acha, estão dormindo profundamente”, diz Racky.
Rotina
Os
atos racistas contra os estudantes africanos têm ocorrido com
freqüência. No mês passado as paredes dos corredores foram pichadas
com frases ofensivas. Os alunos acusam a direção da UnB de tentar
contemporizar. “Registramos a queixa na administração. Eles foram lá
quando não havia ninguém e pintaram as paredes. Eles nos disseram que a
imagem da instituição tinha que ser preservada e que problemas assim
tinham que ser resolvidos amigavelmente”, disse Wollet.
Numa outra
oportunidade, segundo ela, pessoas ligadas à administração disseram que
as queixas eram um exagero. “Eles disseram que estávamos exagerando e
que a gente morava aqui de favor. Um deles chegou a dizer que nada
garantia que os próprios alunos africanos não fossem os autores das
pichações”, desabafa.
Os moradores dos apartamentos que tiveram as
portas queimadas suspeitam que os autores dos incêndios sejam
estudantes que moram no mesmo bloco. Eles informaram os nomes dos
suspeitos à Polícia Federal, que investiga o caso. Segundo o presidente
da Associação de Moradores da Casa do Estudante Universitário, Geraldo
Marques dos Santos Júnior, nunca tinha acontecido algo tão grave.
“Desta vez a ameaça de morte quase foi consumada. Em um dos
apartamentos, o botijão de gás fica do lado da porta. Podia ter
acontecido uma tragédia”, afirmou. Marques acrescentou que se tratou de
uma ação racista. “Chega. Foi o limite. Temos que combater o racismo e
o preconceito que existe dentro da UnB”, concluiu.
Providências
O
Ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial, Luiz Fernando Martins da Silva, acompanhou o caso durante todo
o dia. À tarde, esteve com o reitor da UnB, Timothy Mullholhand, e
recebeu os estudantes africanos na SEPPIR.
De lá seguiu com
eles para a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do
Ministério Público Federal e para o Núcleo de Enfrentamento da
Discriminação do Ministério Público do DF. Tanto na Procuradoria quanto
no NED foram instaurados inquéritos.
"Há uma comoção porque é um
problema muito grave. Não dá prá saber se é um ato isolado, se um ato
de grupo. Eles estão mais calmos porque estão acompanhando a ação do
Estado, concluiu.
O delegado Francisco Serra Azul, da Delegacia
de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico
(Delemaph), disse que já foram coletadas as impressões digitais no
local do crime.Também foi recolhido o material inflamável usado para
atear fogo às portas dos dormitórios e está sendo analisado pela
perícia.